Estelita

Não sei qual o sabor
Qual o cheiro
O gosto

Mas, ao escrever-me, basta.
Sinto como flor quente
Acirrada, afincada, enraizada.

Para quê comparação com flor meu deus?
Cadê meus cotidianos, teus descalços
Pelo chão frio, boca da noite, hora da matina?
O fechar da geladeira, em busca de outra comida?

Sim me possuis, mas não como queres
Mas quando desejas,
Chega.

Convidada

Convite feito, convite prometido
Minhas asas recuadas, ensaiam voos
E as tuas tão abertas, voam.

Limpaste com teu cheiro e longos cabelos
Os sons estridentes da minha sala
Abriste uma nova janela
Trocaste o papel de parede, agora com bolhas
Mas adorei o tom

Cobertor novo, cereja de bolo
- É festa na casa!
E foram tantas as valsas francesas, acompanhadas de acordeões,
Que dançamos sobre seus acordes corporais.

Grato pela visita
Fico preparado, pois também tens tua casa.
Que visita!
As férias acabaram
Outubro já vem em cima
Até mais ver, olhos lambuzados. 

Noite

É noite
Os pássaros dormem
Não cantam mais

É noite
A escuridão abocanha todas as estrelas
Que para que não sejam absorvidas
Brilham o mais forte que podem

É noite
Tranco-me em minha própria noite
Trocando pensamentos, com as minhas estrelas
Mostrando que o meu vazio noturno
Preenche-me de ilusões.

Cinemática desse encontro

Ela veio a 80Km por hora
Esperou a brisa permear
Brincou, misturou seu perfume ao suor
Voltou com a mesma velocidade que veio

Mas pra mim que estava de fora
Segundo Cinemática
Partiu como fuga
Ano luz por hora
Sem direito a um triz de despedida.

Beauvoir com arroz e Sartre com feijão.

A tua liberdade vive crua
Sem preparo, sem legumes
Vendida em hipermercados
Instantânea, pouco durável, vive de pseudalismos.

A tua liberdade permeia entre a libertinagem matinal
Mas a de hoje, é mistura de almoço
Cozida com espinafres, feijão e salsa.

Precisa ser mastigada, saboreada
Cuspida, se não lhe agradar o tempero
Mas com almoço futuro.

Tua fome de liberdade não pode ser prato feito. 

Vagão

Se você me espera?
Não sei, não preciso saber

Me parece, que a distância te reclama
Dentro de cada vagão,
Parada de ônibus, e olhares possíveis.

Silencio
Mas é dentro do meu silêncio onde mais te chama
Não és gritada, e sim declamada
Por cada palavra não dita a ti, da minha boca

Até mesmo esse poema é um silêncio
De valor, sem valor
Que não ouves, que ouves

Quando queres.

Morceguinha

Sei, não sou nem além nem aqui
Sou de cá, sou de ti por tantas vezes
Um contrato lançado ao fogo
Cheiro a teu perfume a cada volta
E espero que a cada ida, esteja em ti algo meu

Não que seja teu ou minha
Mas cabe por vezes o desejo de ser
Posse, desimpedida, ocupa e apropria
Não sou divino, sou fraco a teus dizeres corpúsculos
E meu corpo grita:
- Quero ser teu e tu minha!

Ah, mas exista, não se afaste
Não desista, enlace
Desista das horas
Mais ternura nas calçadas alheias

Querer te ver alojada, um dia
Somente na minha blusa dos Beatles
Enquanto um som de guitarra ao fundo
suavemente choraria...

- ah morceguinha!

Os ouvidos escutam de perto, as palavras das línguas

Agora, é a construção

Veja como estou
partido por partir..
Nada! Nada se parte,
tudo é continuidade.

Preparei-me em alguns blocos
prontos pra construir
Deparei-me de novo
não contigo, e aí...

Me presenteei, com o presente!

Convite

Vem, fica e me explica
porque insisto que fiques
Vem, põe essa saia que tanto gostas
que eu me enrolo nessas bordas
me enlaço em tu feito fita

Quero te dizer, por meio desses trapos desmedidos
que traços do seu rosto percorrem e contornam
todos os meus poemas, e tenho dito

Ficas
Preparei um canto no quarto
tem garrafa d'água, pipoca e café
o que quiser
Um filme lá se reproduz
enquanto uma cena de amor
em outro canto do quarto se produz.

Água e sal

Brotam
De todos os lugares e partes
Das linhas do meu corpo
Aos laços da alma
As lágrimas

Então chuva choro
Encho-me
Preparo meu barco
Navego no mar chorado
Direcionado pela direção
Dos suspiros suspirados

Esse mar leva-me à terra firme
Mas sem vislumbramentos
Só sigo

Incolor

Tu
Que sugaste a cor dos olhos meus
Pelo suspiro doce, beijo florido
Agora
Tomo a cor dos olhos teus
Para que possam preencher o vazio
Que por esses dias meus olhos secos
Naquela calçada ficaram.

Surra à Pátria

Meus olhos estão vidrados
Rachados, trincados.
Pelo soco levado
Da minha pátria amada
Que antes fingia me afagar
E agora, me cala com um soco no estômago.

Trincado olhar
Veja duas bandeiras, duas moedas, duas gentes
Uma sem chão, desde o barro ao sentimento
Outra marcada por um egoísmo vigente, sem dente
agora estou, um soco na boca agora me restou

Ah povo, por que tanto a roda gira
E teima em passar por cima dos nossos pés?

Ah pátria, tanto amor eu tenho, e mesmo apanhando
É de sabedoria nossa, que até amando e lutando
Também mostraremos nossos dentes.

Miocárdio Meu

E coração que bate?
Com suas veias e artérias
Gorduras e aréolas

Qual amor oxigena teu coração?
Com seus átrios
Não simétrico
Abrindo e fechando suas portas
Pra tanto amor passar

Penso, que meu amor não é simétrico
Rosa, vermelho ou esbelto
Nada ideal
Meu tipo de amor carrego comigo
Assim, meio achatado e espremido por bombas de ar
Para que não me faltem suspiros
Quando ele disparar
Não o é perfeito
Segue seu ritmo
Acelera, desacelera

Este é o meu coração
Pra mim
Nenhum órgão de sentido.

Cenas da Cidade

São privilégios que ainda não pude ter
Andar pelas calçadas do centro da cidade
Numa bela de uma conversa,
Com ouvido colado ao celular

De modo a contemplar uma fiel paisagem
Sentado no calor movimentado dos carros
As imagens cortam e enlaçam

O papel dinheiro
Sendo escoltado a sete balas
Para adentrar ao seu santuário
Protegido mais que vida humana
Prontos para te derrubar
Ao som de uma calibre 12

Manequins trancados
Gritam tons de eternidade
Não escolhida por eles
Mas gostariam de um dia serem livres
E voltarem à matéria prima
Invejando a finitude humana

Um viva às invenções humanas!
Tão humanas, só humanas
Que tornam gente como a gente
tão mais bacanas.

Choração de saudade

O meu choro é oração
das brabas, que fazem até santo chorar
É um pedido desesperado à saudade
que teima em visitar
Um grito no escuro, ardente
- Vai, me transporta pra lá!

Então é na noitinha
Nos meus velhos cotidianos
que oro, por ti
e creio que esses prantos chegam
E vão aos poucos descompassando o coração
Saciando a sede de lágrimas

A saudade vai
E quanto mais nada
menos morre afogada.

Estado de Coração

O meu estado de coração
É fardo demais
Tento a conformar
A tantos lugares frios

Meu estado de coração é fértil
Cultiva flores
E perfumam minh’alma
Deixará ser levado por corações alheios

Meu estado de coração é alerta
Ao um silvo longo de qualquer outro
Para bater em uníssono compasso

O meu estado de coração
Triste, melancólico
Às vezes por não ter achado
A sua pedra fundamental.

Ilusão? Não

Não acredito em Alma Gêmea.
Mas se eu me apaixonar por você,
Acreditarei em fadas, árvores voadoras
basiliscos, cupidos
E até que o amor pode ser eterno
Meu coração é como o céu, justo.
Divide espaço com a Lua,
Com as estrelas
E até com os fios sujos.

Mãos

Dou um beijo
Desnudo desejos
Ando por teu corpo
Farejo teus poros
Beijo-te os sinais

Apegado em desejo
Dou-te a qualquer hora
Dia, morro e trago vida a ti
Desenho a linha da alma!
Mãos, também comem.