Bagagem

Pousa o vento à beira da distância
O cheiro de tudo teu, não é só lembrança
Cá, pra lá
Cá pra cá
Levo todos os teus cheiros,
na minha boca

Fortaleza, 18 de Setembro de 2014

Discussão

Suas incisões
suas complicações
meus devaneios
suas razões
minha culpa

sua opinião
minhas explicações
suas ofensivas
minha desculpa
alguma comparação
dúvida

minhas resoluções
sua raiva
sua destreza em retomar
minha reviravolta
minha paciência

viver assim?
alimentando-se da minha culpa?
você faz parte dela,
você é a culpa
que eu não quero deixar de ter.

Lúcida

Preparei uma volta,
um desfile
à ala dos incompreendidos
meu rosto veio a refletir
naquele copo
meio cheio,
meio vazio
de alguns meios destinos

viver
é o entorpecimento do futuro
e escutá-lo desafinar

o cotidiano
é nosso LSD
Liquido Sólido Disfuncional

a minha amante
não fez distinção alguma
do que era nuvem, chão
carne
pisava em cada uma
das minhas outras amantes
sem dó ou piedade natalina

o que há de virtuoso
nessa capim que capina?
teu ventre
coisa divina,
também é alegria.

Diálogo Póstumo

Quem diria
quem diria o quê?
quem diria
quem diria o quê?

Quem diria
que ao ver passar
as mãos sobre o assoalho desolado
descamaria teu passado
preso como carne
entre os dentes de um leopardo

Quem diria
quem diria o quê?
quem diria
quem diria o quê?

Quem diria
que desejaria teus pés sujos
na minha cama novamente
que já dei tanto não
que até esqueci de mim mesma

Quem diria
quem diria o quê?
quem diria
quem diria o quê?

Que no final
me chamaria
dizendo com todas as sílabas:
- Eu não te desejo nenhum mal...
mas do que adiantaria?
do mal já me fazia

Quem diria
quem diria o quê?
que desejava tanto
a cicuta trazida em teus seios
nessa madrugada fria.

Homem viril e de viril não virou homem

Homem tido como homem,
para esclarecimento das massas
homem me tornei.
assim como vários
menino trono, menino rei.
“- É de seu destino ser macho! ”
comer, enfiar, socar, penetrar v.i
diz o dicionário de todo e qualquer bom moralista.

Mas homem também dá,
embora muitos não saibam disso.
Dá seu corpo, seu desejo, seu pau,
seu amor, sua tristeza,
ou que quiser.
Também é comido, seja por qualquer sexo,
seja por qualquer interpretação poética

Dilacerado por boca qualquer
o homem vira pétala
e por momentos, aceita sua alma desnuda,
e cai

Mas logo, apita o dicionário de regras e...
nega que se entrega,
nega que se derrete
nega que nega
e de líquido em calmaria
torna-se água fervente de virilidade imbecil
de voracidade cabreira e mal amada
energia desperdiçada

toma teu rumo,
apruma tua vida
sem trono,
rainha ou rei.
devora teu avesso
cuspa
no prato que comeu.

Saudosismo pra quem?

Negro de mãos atadas
de cabelo amarrado
cabeça sempre raspada
saudosismo renascentista
nunca ouviu
nunca pediu

Foram esculpidas
as esculturas dos grilhões,
o sangue, tinta a óleo
não desenhavam mulheres rococós
no barro batido
mas
haveria modernismo
nos estilhaços de sangue
no terraço da senzala,
Arte in vitro?

Pede alforria
a belle époque opaca
não nos serviriam paletós ou espartilhos
a espera
grilhões-pulseira

Olhos
pairavam sobre a paisagem
e aos ancestrais olhos
não cabiam ousadia

Já na Terra Mãe sagrada:
“ - Minhas faces de palha levaram,
e essas bugigangas deixaram,
dizem seres da arte! ”

Negras
de mãos dadas
também são rebelião!
Arte, salva-te!